quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Reino Unido aprova regulação da imprensa

Rainha assina criação de mais um órgão regulador, que terá código de conduta e poderá multar veículos em até R$ 3,7 mi
Nova regra é fruto de escândalo que levou ao fechamento do 'News of the World'; veículos temem controle político
LEANDRO COLONDE LONDRES
Uma assinatura da rainha Elizabeth 2ª selou ontem a criação de mais um órgão de regulação das atividades da imprensa britânica.
A rainha ratificou a "royal charter", carta real elaborada por membros do governo conservador de David Cameron, com apoio dos trabalhistas, hoje na oposição.
O ato de ontem é um dos principais capítulos do escândalo de 2011 que levou ao fechamento do jornal "News of the World", do empresário australiano Rupert Murdoch, acusado de grampear telefones de maneira ilegal para conseguir informações.
Ontem, jornais e revistas apelaram até o último minuto à Justiça para evitar a assinatura da carta pela rainha. Os pedidos foram rejeitados.
Entre esses veículos estão os jornais "Daily Mail", "The Telegraph", "The Mirror" e "The Times". Eles alegam que não aceitam a fiscalização de um órgão de Estado criado por governo e partidos.
O Reino Unido já tem, desde o início dos anos 90, uma Comissão para Queixas contra a Imprensa --esse órgão, composto por representantes dos veículos, foi acusado de inação diante das denúncias contra o "News of the World".
O novo órgão regulador poderá aplicar multas de até 1 milhão de libras (R$ 3,7 milhões), além de impor correções e pedidos de desculpas por parte de jornais e revistas.
Estabelece ainda um código de conduta que pede "respeito pela privacidade onde não houver suficiente justificativa de interesse público". Qualquer pessoa que alegar ter sido atingida por reportagens poderá acionar o órgão. O texto diz que não há possibilidade de censura prévia.
A regulação é consequência de um inquérito concluído em novembro de 2012, que investigou os tabloides suspeitos de grampo ilegal.
Com a "royal charter", os políticos buscaram respaldo real, que poderá dar vida "estável" ao órgão regulador seja qual for o futuro governo.
Pelas regras, os membros do novo órgão serão indicados de maneira independente --não podem ser editores de jornais nem políticos. Mas o Parlamento pode mudar o estatuto a qualquer momento com a aprovação de dois terços dos parlamentares.
Para jornais e revistas, a brecha traz risco de influência política no controle da imprensa. Na semana passada, os veículos apresentaram uma espécie de "charter paralela". A ideia não foi aceita.
Oficialmente, nenhum veículo é obrigado a aderir às novas regras. Mas, para especialistas, haverá pressão externa incentivando os jornais a aceitarem, até para não dar margem a derrotas em processos na Justiça --o Judiciário estaria aconselhando magistrados a tratar de modo diferente quem aderir ou não às diretrizes do novo órgão.

ANÁLISE
Imprensa britânica vai fazer de conta que ignora 'carta real'
ROY GREENSLADEDO "GUARDIAN"
E agora vem o tiroteio. O Parlamento versus a imprensa. Westminster versus os jornais. David Cameron, Ed Miliband e Nick Clegg versus Rupert Murdoch, Paul Dacre e Guy Black.
Será esse o resultado inevitável da ação fracassada movida pelos publishers de jornais e revistas para tentar impedir que a "carta real", apoiada por todos os partidos, fosse enviada pelo conselho de assessores do governo para aprovação da rainha.
A imprensa fará de conta que ignora a existência da "carta real". Em lugar disso, criará seu próprio sistema, já tendo adiantado planos concretos para a criação de um novo organismo regulador, a Organização Independente de Padrões da Imprensa.
Como acontece nos melhores tiroteios do cinema, haverá um período de gritaria antes de os combatentes de cada lado se darem ao trabalho de procurar suas armas.
Existem dois gatilhos possíveis. Um seria uma ação judicial bem-sucedida contra um veículo de imprensa --por exemplo, por difamação ou invasão de privacidade-- em que se pedisse ao juiz que determinasse o pagamento de indenização exemplar. Outro seria um frenesi de mídia do tipo sofrido por vítimas anteriores, como Chris Jefferies (suspeito de assassinato pela polícia).
Se um ou outro cenário se concretizar, o tiroteio começará. Mas qual será o efeito? Os políticos podem se indignar, mas as chances de legislarem contra a imprensa são virtualmente inexistentes.
Então, o que eles farão para proteger o próximo grupo de vítimas da imprensa?
Quanto aos veículos de imprensa, quem serão seus alvos se os juízes os castigarem? Eles se insurgirão contra o Judiciário e com certeza farão críticas amargas aos políticos. Mas a lei é a lei.
É claro que, se um juiz determinar o pagamento de indenização exemplar por danos, os jornais apelarão, e o caso inevitavelmente irá a Estrasburgo (sede do Parlamento europeu).
Em outras palavras, este é um enfrentamento no qual não haverá vencedor inequívoco. Pode haver feridos pelo caminho. E é provável que o tiroteio nunca acabe.

Fonte: Folha, 31.10.2013